-Alô,
pai. Liguei pra falar que eu acho que estou ficando louca-doida-varrida. Você
consegue me ouvir? Você consegue enxergar sua filha aqui? Eu não tenho
conseguido me ver, me reconhecer. Onde é que foi parar aquela frieza, onde é
que foi parar o “foda-se”? Eu estou ficando louca. Fraca. E vou te contar o
porquê.
Sabe,
pai, tenho me deixado de lado e tentado cuidar de uma parte de mim que não me
pertence. É, tenho me preocupado com o sentimento que não me pertence, com a
dor que não me pertence. Sou quase um Carlos Drummond de Andrade, tenho em mim
o sentimento do mundo. Às vezes me dá vontade de ter o poder de curar a ferida
que não é minha, e não quero proveito nenhum nisso, só não gosto de ver alguém
passar pelo o que eu estou passando, porque está difícil do tipo “foda”.
Tenho
visto nascer em mim uma pessoa que não me pertence, mas eu gosto tanto dessa
pessoa nova que nasce em mim a cada dia. Eu gosto, porque é ela é doce, só quer
o bem, sente amor. E amor é uma coisa que eu nunca tinha conseguido sentir nem
fazer, lembra pai?
Ah, e
tem outra coisa, estou com vontade de ir embora logo, ir para algum lugar
longe, e arrumar alguma coisa para me preocupar, algo como um teto mofado, um
livro chato, um filme pornô para ser assistido bem longe. Porque aqui não dá
mais. Aqui cheira a súplica. E eu estou sempre a ponto de implorar, dizer: ei,
pelo amor-de-deus, dá pra tentar me deixar te fazer feliz? Mas não dá. Eu sei,
e eu tou-tentando-entender, juro. Mas não dá também.
Pai,
você me conhece, você sabe que eu não vou fazer ninguém sofrer, então, conta
pra ele. Vai lá, vai! Pronto, decidi. Você vai lá e vai falar pra ele que eu
sou a pessoa com mais amor pra dar do mundo. Por favor, me quebra esse galho,
vai lá e obriga a ele a ficar comigo, porque eu sou doce sim, e conta que eu
vou ser legal. Fala das minhas qualidades pra ele notar, fala que eu não sou só
um corpo bonito. Sei lá me salva dessa, eu não estou conseguido dormir bem, e
você não gosta que eu não durmo bem. Eu não estou conseguido comer bem, e você
logo vai querer saber o que está acontecendo. Então é isso. Pronto, falei. É
ele. E mais que isso, não é ele. É minha tentativa de colocar as coisas no devido
lugar. Eu não consigo mais!
Ah, mas
ele quem, né? Esqueci de apresentar. Baba-jho, vou te contar um segredo, e não
quero q ue a família toda fique
sabendo. Entendeu? É assim, eu estava vivendo e de repente... pá! Conheci um
cara que parece que eu até já conhecia, sei lá, parece que eu olhei aqueles
olhos desde sempre, mas a verdade é que eu gostaria de olhar para sempre. Mas,
então. Aí eu achei que seria legal, e foi. Mas, de repente, pá! Eu estava
completamente apaixonada. De repente não foi legal, um monte de coisas postas à
mesa, e eu não sei tirar a mesa, eu descobri que eu não sei mais jogar as
coisas para o ar e sair andando antes de me perder. Eu fiquei assim, paralisada,
ali, olhando a maldita caixa de e-mail a cada cinco minutos. Não tenho conseguido encher os pulmões por completo, sabe, aquela respiração ofegante como se eu fosse morrer no próximo segundo, e não morro. Por falta de vontade não é... Porque, você sabe, dá vontade de morrer por um minuto, de não deixar uma reposta maldita acabar com seu dia, sobretudo, porque você não pode responder. Ah, eu estou perdida demais. Me diz aí, pai, eu
sou uma completa idiota, não sou? Eu to sabendo. Mas deixa eu continuar. Esse
cara que eu to falando é assim, nada demais, juro. Mas eu quero pai, e eu sei
que você não pode comprar, eu sei. É que
eu preciso olhar aquele sorriso, porque é difícil não lembrar o sorriso, sabe,
dá medo de não passar. É eu sei, você vai me dizer que realmente não passa. Mas
o que eu vou fazer então? Eu não tenho alternativa, olha só para mim? Mim? Que mim?
Eu não estou mais aqui. Aqui está a louca-doida-varrida, e ela não sabe o que
fazer além de checar os e-mails, olhar o relógio, tomar banhos gelados, lembrar
daqueles olhos que só sabiam transparecer tesão, enquanto eu... Bem, pai, acho
melhor não falar sobre tesão com você. Voltemos a falar do amor, porque será menos
constrangedor. Ah, falando em constrangedor, fique orgulhoso de mim: eu fui
embora antes de implorar e dizer tudo aquilo que eu peço agora que você diga,
quando eu senti que iria deixar a boca dizer esse rolo de sentimento... Eu saí,
pulei da cama, inventei um compromisso. Falei que... tenho que ir, alguém me
espera. Mas quem é que vai me esperar se eu já não estou aqui? Meu Deus do céu,
quem é que vai me esperar se eu não tenho mantido vida social com quase
ninguém?
Tá...
eu sei que você já está cansado dessa mensagem de voz, e meus créditos
provavelmente vão acabar logo. Eu só quero que você esteja me esperando para o
jantar hoje. E não me venha com essa história de que vou conhecer outra pessoa,
porque eu sei disso. Mas agora eu não quero, to com preguiça de “oi, fala mais
sobre você”... Ah, falar mais é o cacete. Eu to com muito medo e com preguiça de conhecer
qualquer outra pessoa. Não quero mesmo... sabe porquê? Ainda tá doendo muito, e dói
ainda mais no domingo, na segunda, na terça, na quarta, quinta, sexta e sábado.
Então, prepara o uísque, porque hoje eu quero ouvir suas histórias, por
exemplo, do dia em que você trocou de roupa com seu amigo na rua, porque não
deixavam votar de bermuda. Sabe... Hoje eu quero ouvir qualquer coisa, eu só
não quero falar de amor porque está tudo muito ruim, ta difícil, não é exagero. Então, sem amor por hoje, por favor, pai. Viu, vou desligar.
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluir